sexta-feira, 3 de março de 2017

Por favor, deixem todas as luzes acesas.

Imagem e créditos: https://pixabay.com/en/stained-glass-colorful-glass-1589648/  

Desde o segundo semestre de 2016, o mundo viu Donald Trump, o caricato e eterno candidato à presidência dos EUA ser eleito com um discurso racista, xenofóbico e assustador para quem acredita em direitos humanos para todos os seres humanos. Estamos também acompanhando o avanço da extrema direita na França e uma guinada conservadora no mundo em ergal ou, no mínimo, naquilo que os grandes meios de comunicação nos apresentam como "o mundo".

Ao mesmo tempo, que parece haver uma crise moral sem precedentes na nossa história (pelo menos na história recente do mundo ocidental ou do mundo mostrado pela mídia). Apenas para dar um exemplo fora do Brasil, uma assessora sênior do presidente dos EUA diz que uma dada declaração não foi mentira, mas uma referência a "fatos alternativos". Para usar uma expressão do José Simão: tucanizaram a mentira.

No Brasil, tivemos a consumação do golpe jurídico-midiático e, desde então, vemos um retrocesso inimaginável em termos de direitos sociais e trabalhistas. Acho que não exagero ao dizer que corremos o risco de voltar à era pré-Vargas. Avançam as privatizações, inclusive do pré-sal, que ia sustentar a educação do país. Boa parte do primeiro escalão do governo foi citada em delações sobre esquemas de corrupção. Ministros delatados são empossados, um indicado para o STF faz uma "sabatina informal" em um jantar em um iate junto com senadores que deveriam julgá-lo como apto ou não a ser empossado como Ministro na mais alta corte do país. Tudo isso, naturalmente, em nome do combate à corrupção.

Em muitos sentidos, o Brasil parece uma caricatura do mundo. Uma caricatura deveria ser algo que não existe, uma metáfora, não mais que isso. O Brasil, contudo, consegue este exagero, por um lado, no que há de mais ridículo, mais hipócrita, na mentira mais deslavada do escárnio a céu aberto. Conversas telefônicas gravadas ilegalmente são usadas como argumento para derrubar seu governo, mas conversas de um senador, em que ele diz, abertamente que se deveria fazer um golpe para "estancar a sangria" de uma operação contra a corrupção e menciona que o Ministro da suprema corte que é relator do caso "não conversa com ninguém" são tratadas como anedota, mesmo depois que o avião com o juiz citado cai.

Por outro lado, também somos caricatos na torpeza e maldade (sim, maldade pura e simples, independente das causas). O fenômeno pode ser mundial, mas aqui aceitamos o inaceitável como preço para evitar avanços sociais, mudanças no sentido de mais igualdade e jusitça. Ou seja, pagamos caro para manter os problemas que nos afundam cada vez mais.

As pessoas da assim chamada "ala progressita" criticam a visão dicotômica imposta por setores à direita, essa divisão entre "nós e eles". Ao mesmo tempo, como num espelho, muitos destes mesmos críticos usam esta mesma lógica em um discurso que talvez devesse ter uma forma diferente. Na prática, não sei se poderia ser diferente de todo. Talvez por alguma limitação cognitiva, tenho enorme dificuldade em "ver o que há de bom" em o povo se manter ou voltar à miséria, quem afirma que pobres não chegam à universidade pública "por falta de mérito próprio", quem deseja a manutenção e o aprofundamento do "escravagismo assalariado" moderno, para manutenção de um sistema que beneficia apenas alguns às custas de submeter milhões à miséria, á fome, etc. Olha para a história da humanidade e me pergunto se alguém com um mínimo senso ético, uma visão mínima de justiça social, poderia ter visto algo de "bom" no nazismo, no fascismo espanhol, ou mesmo nas ditaduras militar militares da América Latina, durante a guerra fria.

Não se trata, aqui, de uma batalha entre "os bons" (os "progressistas do bem") versus "os maus" (os "homens de bem", ou, mais precisamente, "de bens"). Somos todos humanos, com falhas e virtudes. Contudo, mesmo que o bem possa ser relativizado, o mal que nossa sociedade enfrenta hoje chega bem próximo da beira do absoluto. A luz pode ter muitas cores, mas as trevas não têm cor nenhuma, são a ausência de luz. Às vezes parece que marchamos céleres em direção às trevas éticas, à ausência generalizada de senso de coletividade em todos os níveis, enfim, à barbárie do "cada um por si", que é o fim da civilização.

A quem acha que a situação não pode piorar, sugiro um exercício lúdico que, tenho certeza, terá resultados surpreendentes: basta anotar o estado daquilo que acha que não pode piorar e a data de hoje em um papel e olhar daqui a, digamos, seis meses ou um ano.

Enfim, há luzes de muitas cores de muitos lados e, de um lado, há apenas escuridão. E estamos andando para ela.

Luzes coloridas permitem ver o mundo de muitas formas diferentes.

Por favor, deixem todas as luzes acessas.