Desejo fazer de minha vida uma prece, um mantra em que cada momento seja uma oração silenciosa de paz e de amor.
Mesmo errando, porque sou humano, quero errar de forma sincera. Ainda que por isto os erros sejam maiores e mais visíveis, que o sejam na tentativa do acerto.
Desejo que meus erros não firam outras pessoas, que eu saiba arcar com minhas consequências e que nunca deposite meus fardos sobre ombros alheios.
Quero aprender as lições que meus erros me trazem e, assim, fazer deles algo melhor do que apenas erros.
Tendo aprendido o que havia a aprender com eles, quero não repetir os mesmos erros.
Admitindo minha condição humana e falível, quero ser humilde, aprender a pedir perdão e a concedê-lo, mesmo a quem não o pediu.
E, conseguindo estas coisas, quero aprender a perdoar a mim mesmo.
E então, quero aprender a não desejar mais nada.
quinta-feira, 17 de março de 2011
sábado, 1 de janeiro de 2011
A Estréia
Texto já publicado em outro blogue. Sua "estréia" se deu há três anos, nos Ecos Diversos. Aqui, portanto, uma re-estréia. Um bom ano de 2011 a todos os meus (dois? três?) leitores!
A ESTRÉIA
Na platéia, figuras imponentes dos três poderes, representantes do clero, construtores, empresários, banqueiros, oficiais das três armas e da polícia militar, delegados, tabeliães, professores, balconistas, garçons, cozinheiros, alguns operários, o menino do farol com seus chicletes, o guardador de carros com seu paninho sujo e outros dignos representantes da sociedade. Conversam animadamente, respeitando os costumes e os limites sociais adequados, mantidos da forma mais conveniente. “Conversa-se com quem se tem assunto.” Nada faz mais sentido nesta data, ao mesmo tempo solene e festiva.
Há grandes expectativas e o otimismo para o futuro é contagiante. O futuro é lindo, visto daqui!
O país em franco desenvolvimento. Com redução dos impostos e dos juros, teremos crédito barato, o consumo em alta, a inflação controlada e baixa. A produção industrial estará em crescimento, a poupança, em ascensão e as exportações crescerão. A reforma agrária trará a maior produção agrícola da nossa história. A igualdade social será construída sem prejuízo para os mais abastados. Todo cidadão terá tudo que precisa para viver com dignidade e talvez até um pouco mais. A saúde e a educação públicas atingirão níveis de excelência, patamar a ser alcançado pelo setor privado. Todas as formas de crime e de injustiça serão abolidas. As drogas, o aborto, a corrupção, a pobreza, a inveja, a ira, a vaidade, o ódio, o adultério, desaparecerão sem que medidas mais duras precisem ser tomadas. Criminosos, terroristas e conspiradores terão consciência do mal que fazem à sociedade, entregarão suas armas e irão espontaneamente viver como monges reclusos. E serão felizes.
O momento se aproxima. Primeira chamada, segunda chamada, terceira chamada, as luzes se apagam. Contagem regressiva. 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1...
As cortinas se abrem. Sobre o palco ao fundo, há um espelho enorme. Em frente a ele, em pé, um homem pequeno, franzino e nu, cobre os olhos e os genitais. Não tem cabelos, não é jovem, nem velho. A cabeça é grande e o corpo todo tem uma aparência de secura áspera.
Aos poucos, ele se encolhe até encostar a cabeça no chão, sem descobrir o rosto e os genitais. Treme e soluça, como se tudo lhe faltasse. A luz ilumina a platéia silenciosa, estática.
No silêncio há um arrepio, agudo, gelado, aquela fração mínima de tempo que se demora a perceber o corte de uma navalha. E o silêncio se dilata.
O corpo, jogado ao chão, soluça convulsivamente. Faltando-lhe mais mãos para se cobrir por inteiro, mantém os genitais e os olhos cobertos.
O espelho agora reflete cada espectador, individualmente. Por um instante mágico, toda hipocrisia, toda mentira, toda vileza, toda iniqüidade, surgem monstruosas, caricatas, e cada um vê a si mesmo, seus pecados, seus crimes, suas máculas, suas omissões e mentiras confortáveis. Depois, vêem-se em seus grupos. Logo, num quadro bizarro, todos reconhecem na podridão alheia as suas próprias.
O público permanece imóvel como um suspiro preso, o tempo suspenso, que não é agora.
Ouve-se o ruído de pés correndo, pesados. Logo se percebe o pequeno homem a correr a esmo pelo palco. Quando encontra o espelho, ataca-o às cabeçadas e com os cotovelos, pés, joelhos, ombros, com o corpo todo, sem nunca descobrir os olhos ou as virilhas. Corta-se, sangra e continua a golpear o ar, pisoteando os cacos, mesmo com o espelho já completamente destruído. Seus soluços, quase infantis, vão sumindo enquanto ele se enrola lentamente no chão, no meio exato do palco. Finalmente, resta apenas o ritmo da respiração ofegante.
Em silêncio, fecham-se as cortinas.
O teatro suspira em uníssono. As expressões se relaxam, como sob a brisa fresca ao fim do dia quente.
Agora tudo está mudado. O que passou, passou. Sem ressentimentos, é hora de reiniciar!
Como se ensaiada, arrebenta uma onda de aplausos, palmas, assobios!
Todos gritam seus votos e riem e choram e se abraçam, até que as lágrimas secam sobre os rostos cansados de sorrir.
Voltam, então, para suas casas, suas vidas.
O ano novo estreou.
A ESTRÉIA
Na platéia, figuras imponentes dos três poderes, representantes do clero, construtores, empresários, banqueiros, oficiais das três armas e da polícia militar, delegados, tabeliães, professores, balconistas, garçons, cozinheiros, alguns operários, o menino do farol com seus chicletes, o guardador de carros com seu paninho sujo e outros dignos representantes da sociedade. Conversam animadamente, respeitando os costumes e os limites sociais adequados, mantidos da forma mais conveniente. “Conversa-se com quem se tem assunto.” Nada faz mais sentido nesta data, ao mesmo tempo solene e festiva.
Há grandes expectativas e o otimismo para o futuro é contagiante. O futuro é lindo, visto daqui!
O país em franco desenvolvimento. Com redução dos impostos e dos juros, teremos crédito barato, o consumo em alta, a inflação controlada e baixa. A produção industrial estará em crescimento, a poupança, em ascensão e as exportações crescerão. A reforma agrária trará a maior produção agrícola da nossa história. A igualdade social será construída sem prejuízo para os mais abastados. Todo cidadão terá tudo que precisa para viver com dignidade e talvez até um pouco mais. A saúde e a educação públicas atingirão níveis de excelência, patamar a ser alcançado pelo setor privado. Todas as formas de crime e de injustiça serão abolidas. As drogas, o aborto, a corrupção, a pobreza, a inveja, a ira, a vaidade, o ódio, o adultério, desaparecerão sem que medidas mais duras precisem ser tomadas. Criminosos, terroristas e conspiradores terão consciência do mal que fazem à sociedade, entregarão suas armas e irão espontaneamente viver como monges reclusos. E serão felizes.
O momento se aproxima. Primeira chamada, segunda chamada, terceira chamada, as luzes se apagam. Contagem regressiva. 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1...
As cortinas se abrem. Sobre o palco ao fundo, há um espelho enorme. Em frente a ele, em pé, um homem pequeno, franzino e nu, cobre os olhos e os genitais. Não tem cabelos, não é jovem, nem velho. A cabeça é grande e o corpo todo tem uma aparência de secura áspera.
Aos poucos, ele se encolhe até encostar a cabeça no chão, sem descobrir o rosto e os genitais. Treme e soluça, como se tudo lhe faltasse. A luz ilumina a platéia silenciosa, estática.
No silêncio há um arrepio, agudo, gelado, aquela fração mínima de tempo que se demora a perceber o corte de uma navalha. E o silêncio se dilata.
O corpo, jogado ao chão, soluça convulsivamente. Faltando-lhe mais mãos para se cobrir por inteiro, mantém os genitais e os olhos cobertos.
O espelho agora reflete cada espectador, individualmente. Por um instante mágico, toda hipocrisia, toda mentira, toda vileza, toda iniqüidade, surgem monstruosas, caricatas, e cada um vê a si mesmo, seus pecados, seus crimes, suas máculas, suas omissões e mentiras confortáveis. Depois, vêem-se em seus grupos. Logo, num quadro bizarro, todos reconhecem na podridão alheia as suas próprias.
O público permanece imóvel como um suspiro preso, o tempo suspenso, que não é agora.
Ouve-se o ruído de pés correndo, pesados. Logo se percebe o pequeno homem a correr a esmo pelo palco. Quando encontra o espelho, ataca-o às cabeçadas e com os cotovelos, pés, joelhos, ombros, com o corpo todo, sem nunca descobrir os olhos ou as virilhas. Corta-se, sangra e continua a golpear o ar, pisoteando os cacos, mesmo com o espelho já completamente destruído. Seus soluços, quase infantis, vão sumindo enquanto ele se enrola lentamente no chão, no meio exato do palco. Finalmente, resta apenas o ritmo da respiração ofegante.
Em silêncio, fecham-se as cortinas.
O teatro suspira em uníssono. As expressões se relaxam, como sob a brisa fresca ao fim do dia quente.
Agora tudo está mudado. O que passou, passou. Sem ressentimentos, é hora de reiniciar!
Como se ensaiada, arrebenta uma onda de aplausos, palmas, assobios!
Todos gritam seus votos e riem e choram e se abraçam, até que as lágrimas secam sobre os rostos cansados de sorrir.
Voltam, então, para suas casas, suas vidas.
O ano novo estreou.
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