sábado, 28 de junho de 2008

Os Vices

A eleição presidencial dos EUA deste ano traz algumas peculiaridades em relação às eleições anteriores. Em primeiro lugar, a possibilidade de se ter, pela primeira vez, um negro e uma mulher com chances significativas de serem eleitos. Definidos os candidatos dos dois partidos dominantes, temos o afro-americano Barack Obama e John McCain, o homem mais velho a concorrer a um primeiro mandato presidencial nos EUA. O fato de Obama não ser descendente de escravos não muda o significado histórico da sua indicação. Estes precedentes históricos já vem sendo discutidos amplamente, desde o início das campanhas das prévias para as eleições.
Façamos uma digressão breve, acerca da história recente do Brasil. Em 1984, o colégio eleitoral elegeu Tancredo Neves presidente, após vinte anos de ditadura militar. Tancredo faleceu em 21 de abril de 1984, aos 75 anos, sem assumir o governo. O mandato foi cumprido na íntegra por seu vice-presidente, José Sarney. Em 1990, nas primeiras eleições diretas para presidente em mais de 25 anos, elegeu-se Fernando Collor de Mello, um político jovem e cheio de energia que renunciou à presidência na tentativa de escapar ao processo de impeachment. Seu vice-presidente, Itamar Franco, assumiu a presidência e viu, eleito como seu sucessor, o seu ministro da Fazenda (e, antes, Ministro da Relações Exteriores) Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
O exemplo da história do Brasil nos anos 80 e 90 pode ser de algum interesse para se pensar em alguns desdobramentos possíveis da eleição deste ano, nos EUA. Acredito que se trata de uma eleição na qual deve-se prestar muita atenção aos candidatos à vice-presidência, mais atenção que se prestaria em outra eleição qualquer. Vejamos.
O candidato republicano, John McCain, é um homem idoso que parece muito saudável e bastante bem conservado. Se eleito, nada indica a priori que não tenha condições de saúde de chegar ao fim de seu mandato. Por outro lado, não é de todo improvável que o peso dos anos se faça sentir a este senhor simpático, impedindo-do, de alguma forma, de concluir seus quatro anos de governo. Mesmo concluindo este primeiro mandato, concorrerá a um segundo? No primeiro caso, assume o vice. No segundo caso, o vice é um dos candidatos naturais à sucessão de um presidente que não concorre a um próximo mandato.
Pelo lado dos democratas, Barack Obama é um candidato jovem e aparentemente saudável. Não há dúvidas de que, sendo eleito e completando seu primeiro mandato, concorrerá a um segundo, provavelmente com boas condições obter uma segunda vitória. Contudo, não é difícil imaginar a resistência das alas mais conservadoras e dos segmentos racistas da sociedade estadunidense a terem (ou manterem) um presidente afrodescendente. Obama, uma vez eleito, corre, mais do que outros presidentes na história recente, o risco de sofrer um atentado de qualquer forma. Quando digo “de qualquer forma” não estou me referindo aos diferentes métodos que os seres humanos têm de matar seus semelhantes. Suponhamos, por um momento, que o jovem e carismático presidente recém-eleito sofresse um atendado “convencional”, suponhamos, a bala, ou a bomba e viesse a falecer. Seria mais um mártir negro dentre tantos, alguém com um peso histórico maior que o do Reverendo Martin Luther King Jr, assassinado em 1968. O assassinato, portanto, não seria uma forma “adequada” de atentado. Consideremos, portanto, uma modalidade de atentado em que a política seja ao mesmo tempo a arma e o alvo. Supondo que algum grupo racista deseje apear Obama do poder, é possível que preferisse criar algum escândalo de qualquer natureza e submetê-lo a um processo de impeachment, seguido de execração pública. Assim, não se criaria um mártir a mais no panteão das lutas pela igualdade entre os seres humanos. Pelo contrário, a execração pública que se seguisse ao impeachment tenderia a reforçar as idéias de grupos racistas em um país que tem um histórico de problemas com a questão racial. As conseqüências de algo seriam imprevisíveis e terríveis para toda a população dos Estados Unidos, senão do mundo. De qualquer forma, quem assumiria a presidência, seria o (a?) vice-presidente.
Em um artigo recente, Reid Wilson (editor associado do portal RealClearPolitics.com) discute que, desde a eleição de John Kennedy, em 1960, não há evidência de que o candidato a vice-presidente tenha uma contribuição relevante em termos de votos para a garantir a eleição de uma chapa presidencial. Na eleição de Kennedy, o vice em sua chapa, Lyndon Johnson, teria ajudado Keneddy a garantir os votos necessários para vencer no Texas. Ironicamente, foi durante um desfile em carro aberto em Dallas, Texas, em 1963, que Kennedy foi assassinado. Lyndon Johnson cumpriu o final do mandato de Kennedy, elegendo-se para o mandato seguinte. Foi em seu governo que os EUA mergulharam, de fato, na guerra do Vietnam.
A dificuldade em escolher um companheiro de chapa é maior neste eleição do que na maioria, devido não apenas às peculiaridades de cada um dos dois candidatos, mas também às suas trajetórias pessoais e à relação de cada um com seu partido. McCain tenta se afastar da imagem do atual governo americano e Obama ainda precisa lidar com sua ex-concorrente Hillary Clinton, preterida nas primárias democratas e supostamente bastante interessada em fazer parte da chapa presidencial. No momento, a dificuldade está em escolher um vice-presidente que agregue votos à chapa, que possa fazer diferença na eleição. Portanto, o potencial para se tornar um bom presidente não é o primeiro critério na escolha do vice-presidente, mas deve ser um critério importante. É um paradoxo da democracia nesta era de comunicação em massa que nem sempre os mais capazes de vencer as eleições sejam os melhor capazes de governar. Isto talvez seja ainda mais verdade para os candidatos a vice, aqui, lá e em todo lugar.
Quem quer que vença as eleições terá um trabalho gigantesco de reforma a desempenhar. Espera-se que cumpra seu mandato até o final. Por via das dúvidas, seria desejável que ambos, o presidente eleito e seu vice, sejam verdadeiros estadistas que busquem a promoção da paz ou, no mínimo, promovam guerras pequenas, evitando guerras grandes. Se é sempre de bom alvitre prestar atenção nos candidatos à vice-presidência, isto é especialmente verdade nesta eleição.

Um comentário:

Karlo Muniz cantor disse...

Alhures, algures, nenhures...
encontrei essa crônica agora no google e estou apaixonada por esses velhos senhores que, com certeza, entraram definitivamente para o meu vocabulário!
parabéns e obrigada por ter-me apresentado a eles.
abraço,

Isabella Muniz